Um dos sintomas do atraso da nossa ilha é a aversão ao trabalho manual (e mesmo ao trabalho tout court) por parte de algumas pessoas que cá vivem. No universo das criaturas com acesso à instrução, esta aversão reflecte-se na arrogância com que os que se formaram (ou apenas tiveram a frequência) nas áreas ditas humanistas se tomam como depositários da cultura, em oposição aos que estudaram ou estudam em Escolas Profissionais, ou até mesmo em relação a todos aqueles que não tiveram a oportunidade de estudar, culturalmente ignaros. Uma retórica recheada alusão filosófica ou literária é cultura; discorrer sobre questões técnicas ou científicas é entediante e sintoma de vazio cultural. Carnot é despiciendo perante Rousseau; Niels Bohr ou F. Hayek perante Proust ou Sartre. A retórica, política e publicitária, julga irrelevantes a técnica e a ciência. Os números, em vez de nos levarem à verdade das coisas, levam-nos a abstracções perigosas, como o défice público, que não passa de um economicismo que visa a degradação dos trabalhadores, que só podem ser salvos por uma eloquência despojada de números e de dados científicos e técnicos.
O aparecimento das Universidades (e a posterior eclosão do Renascimento) veio suprir a urgência de saber que habilitassem a burguesia emergente a administrar os seus bens e a ampliar a sua cultura, todavia e, mesmo tendo estudado em universidades, alguns burgueses locais ainda têm imensas dificuldades em administrar os seus bens em comparação com o dito povo.
O caso assume proporções mais despropositadas com a assunção desses burgueses, que se intitulam de humanistas, quando o que se conhece publicamente das suas vertentes culturais, ou “humanistas”, é ter uma boa biblioteca, ser visto com muita gente do mundo cultural e ter apetência por frequentar ou estar associado à promoção de eventos culturais. Todavia não é suficiente ter uma boa biblioteca para se ser culto: também é preciso ter lido os livros. Não é suficiente conhecer e frequentar muita gente dos meios culturais: a cultura não se absorve por osmose.
"Nunca encontrei uma pessoa da qual não tivesse nada a aprender."
(A. de Vigny)
3 comments:
Concordo consigo, o artigo tá muito bem construido. Para mim aqueles que tem estudo são iguais aos que não tem.
Tenho pena que nem toda a gente pense como eu.
Há muito tolo por aí que pensa que por ter estado numa Universidade é melhor que os outros.
Também concordo com a senhora e com o primeiro comentário.
Numa sociedade o que prevalece não é o grau académico por si mas o que fazer com ele para o melhoramento das inttituições democráticas.
Sou licenciado e não desprezo quem não teve o mesmo previlégio. É pena que nem todos pensem da mesma maneira...
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