11 April, 2006

A tentação da Fé

A fé é a firmeza de qualquer criatura no seu destino, é a paixão que a ergue à eterna Divindade, é a convicção de estar a pisar o caminho que vai dar à verdade. A fé cega é como um farol cujo encarnado lampejo não pode atravessar a densa neblina; a fé elucidada é como uma lanterna vertiginosa que abrilhanta com a sua cintilante luz a estrada que devemos percorrer.
Ninguém obtém essa fé celestial sem ter passado pelas amarguras da incerteza e sem ter suportado as angústias que atravancam o caminho dos observadores. Demasiados param em desalentada indecisão e vagueiam imenso tempo entre adversas correntezas.
Felizes de todos aqueles que crêem, sabem, vêem e caminham firmemente.
A fé é penetrante, constante, e ensina-nos a superar e a vencer os maiores e mais árduos obstáculos com que nos deparamos diariamente. Foi neste sentido que, outrora, alguém, cujo nome não me recordo neste momento, disse que “a fé transporta montanhas”, pois como tais, podem ser examinadas as dificuldades que todos os revolucionários descobriram no seu caminho; as paixões, as insipiências, os prejuízos e as conveniências mundanas.
Usualmente, consideramos a fé exclusivamente como crença em genuínos dogmas religiosos, aprovados sem exame, todavia, a autêntica fé está no convencimento que nos encoraja e nos induz para todos os mais eminentes e nobres ideais.
Em verdade vos digo que também existe várias formas de fé; a fé que temos em nós próprios, a fé que temos num acto prosaico, a fé que temos num partido político, a fé que temos na nossa bem amada pátria. Para mim, a fé é uma paixão pelo ideal, é a visão do magnífico abrilhantado, evidentemente, pela mão sagrada, nos alcantis imortalizados, com o desígnio de guiar a Humanidade ao Bem e à Verdade.
Considero cega a fé religiosa que almeja a razão e se subjuga à sensatez dos outros, que adopta um corpo de doutrina verdadeiro ou falso, e a ele se acorrenta radicalmente. Na sua inquietação e nos seus desregramentos, a fé cega apela indubitavelmente à falsidade, à repressão, e transporta inúmeros seres da nossa comunidade, e até mesmo da nossa povoação, ao fanatismo, nem que para isso tenham que se humilhar e tenham que sofrer as consequências nefastas dessa gigantesca humilhação.
Embora acredite, às vezes, na fé divina, encaro a razão como uma virtude superior, que se destina a nos clarificar sobre todas as coisas e que, como todas as outras virtudes, se incrementa e se dilata pelo uso.
Devo, obrigatoriamente, dizer-vos que seria excepcional se pudéssemos carregar dentre de nós a fé e a razão, porque é certo que a união de ambas abre, ao nosso pensamento, um campo mais amplo: harmoniza as nossas capacidades mentais e espirituais e traz-nos a paz interna e eterna.
A fé, quando acompanhada da razão, é a mãe dos nobres sentimentos e dos grandes feitos. Os seres profundamente firmes e convictos são imperturbáveis diante do perigo e das adversidades, mas são, sobretudo, superiores às bajulações, às tentações, às intimações e ao bramir das ilógicas paixões. Porém, para produzirmos esse desfecho jamais podemos esquecer que a fé e a razão carecem de jazer no pedestal rígido que lhe oferta a liberdade de pensamento e, em vez de dogmas e enigmas, era necessário que ela reconhecesse, somente, os princípios decorrentes da observação directa e do estudo das leis naturais, pois assim poderíamos apregoar, aos quatro ventos, que somos, efectivamente, donos e senhores de extraordinário carácter.
E que assim seja!

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